Ficamos assim: repentinamente enclausurados, vimos gente que foi fazer pão, outras que resolveram se livrar de roupas e objetos usados, outros mais que tiveram de aprender a conviver com a família durante a semana, em habitações minúsculas, grandes apartamentos ou em casas na praia. Milhões de pessoas foram levadas ao home office e, agora, quando já estamos em boa parte reconectados à vida social, muitos ainda preservam a vontade de manter a experiência em seus refúgios cuidadosamente modelados por quase dois anos de pandemia.
A vida na bolha é uma das principais tendências de comportamento da atualidade. Não se trata apenas de evitar deslocamentos longos entre casa e trabalho por conta do trânsito puxado das grandes metrópoles. É também ficar em casa com uma roupa confortável, com o café no ponto certo a qualquer momento, a segurança do lar e uma vontade legítima de não encarar os riscos externos: os vírus, a insegurança das ruas, a guerra, lidar com as pessoas e suas neuroses, falar de política em ano eleitoral polarizado… Sair para que mesmo?
Essa propensão à zona de conforto ainda vai trazer sequelas mais profundas. Por enquanto, parece parte do folclore desses tempos incertos. Ao mesmo tempo, ainda que as pessoas estejam no conforto (muitas vezes relativo) dos seus lares, é impossível evitar a carga de informação que chega de todos os lados. Em uma era digital, quem resiste a uma espiadinha no Instagram, no site de notícias preferido ou nos trending topics no Twitter? É essa exposição continuada à informação que alimenta a insegurança e faz muita gente querer ficar mais tempo em sua bolha e, dentro dela, buscar algum refúgio deste mundo louco.
Começamos com séries, depois lives, depois cozinha, vídeos e coreografias no TikTok, começamos a sair de casa, a ir timidamente para o cinema, a arriscar uma viagem, quem sabe uma estadia na praia? Agora praticamos o trabalho híbrido, uma esquisitice que faz todos nós sermos como taberneiros ou carpinteiros de séculos passados que trabalhavam e moravam no mesmo lugar, subvertendo o que o trabalho tem de mais gratificante: o relacionamento e a troca interpessoal, a mudança de ambiente e a exposição ao risco derivado justamente da necessidade/obrigação de sair todo dia para exercer uma atividade produtiva. Até a ideia de que o ato de consumir precisava ser uma experiência (um must absoluto e indiscutível), a grande experiência da vida era trabalhar fora. Conhecer novos colegas, fazer amizades, expandir o universo conceitual e cognitivo, buscar alguma recompensa, tudo isso era parte da experiência da “vida adulta”.